domingo, 15 de fevereiro de 2009

Arqueologia - Tempo - Espaço

Arqueologia, tempo e espaço, são três conceitos cuja ambiguidade é cada vez mais evidente, mas cuja relação é inequívoca, e, sobretudo, Tempo e Espaço podem por si sós ser o objecto (ou objectivo?!) da prática arqueológica.

Assumindo então esta(s) relação(ões) como constantes e indissociáveis, isto é, que em última instância, ou mesmo única, a Arqueologia (ou Arqueologias?!) é tempo-espaço / espaço-tempo, que é então a relação de grandeza e/ou de preponderância de um e de outro na prática e na vivência desta ciência (social e humana, mas também física, química e numérica) multidisciplinar?

Comecemos então pela procura de definir, na medida do possível e mediante as limitações do autor desta reflexão, Tempo e Espaço na/da arqueologia e na concreta realização da mesma.
O Tempo da/na arqueologia pode, numa primeira impressão, ser definido como o tempo do estudo de passados mais ou menos longínquos, desde a Pré-história até ao passado recente… mas, isto é demasiado redutor e falacioso, pois o tempo arqueológico é também, e talvez sobretudo, o do Presente, aquele em que o estudo arqueológico tem lugar, aquele em que a leitura e interpretação das evidencias arqueológicas são realizadas pelo Arqueólogo (segundo as suas convicções, acções, princípios, objectivos, etc.) perante os seus pares e perante a sociedade presente, sendo portanto tempos e não tempo, em que um tempo passado é interpretado à luz de um tempo presente e, ainda, passível de ser reinterpretado num tempo futuro, isto porque em arqueologia há que ter a consciência que lidamos com verdades relativas e restritas ao(s) momento(s) da sua concepção.

Aconteceu no paragrafo anterior, com plena consciência por parte do autor de tal facto, que na tentativa de circunscrever o conceito de tempo arqueológico tenhamos caído num dos espaços da realidade da actividade arqueológica: o Arqueólogo!

Este é, incontornavelmente, um dos principais actores do(s) espaço(s) arqueológicos, mas não o único evidentemente, e nem seque o primeiro no tempo (na cronologia) espacial (físico) do acontecimento e do saber arqueológicos.

O primeiro espaço é, precisamente, o da acção acontecida (acção antropológica – humana) e dos registos materiais por esta acção (momento(s)) preservados (ruína/estruturas positivas e/ou negativas, fragmentos cerâmicos, líticos, osteológicos, etc). O segundo espaço é o da intervenção arqueológica (escavação), seja ela com carácter de emergência ou de investigação académica, onde através da exumação da materialidade que restou (sempre uma ínfima parte da que existiu, o que trunca realidades) e do registo (o mais cuidado e exaustivo possível – assim se espera pois a intervenção arqueológica é irreversível por natureza) momento em que o arqueólogo e a sua equipa, através do seu conhecimento e saberes (aqui conhecimento e saber são eles mesmos espaços mas de características metafísicas) começam a esboçar a (re)criação do espaço-tempo que havia sido o da materialidade e das evidencias antes da sua exumação, espaço-tempo este que ganha forma (se bem que sempre com consciência da sua relatividade) no espaço (-tempo) dos estudos de gabinete, nas análises e caracterização das evidencias…

Pode-se então concluir pelo que até aqui foi exposto que Tempo e Espaço são de valor e valência equivalente da/na prática arqueológica, não sendo também passíveis de estancar um do outro? Sou peremptório a afirmar que sim!

E no que à escala de ambos diz respeito, Espaço-Tempo arqueológicos serão de uma vastidão e amplitude tais capazes de abarcar no seio desta ciência tempo e espaços do(s) passado(s), do agora e do devir (que virá a tornar-se Presente e Passado)? Julgo que tal é uma combinação inconcebível (megalómana) e até potencialmente descredibilizadora para a Arqueologia, preferindo crer que o espaço-tempo / tempo-espaço do conhecimento arqueológico são limitados ao do seu Presente sócio-cultural e ao dos indivíduos intervenientes na (re)criação deste(s) saber(es), cuja factualidade, deve ser, como já anteriormente referido, assumida como relativa e restrita às convicções, moral, valores, técnicas, tecnologias e sociedade do presente (sublinhando e/ou retorquindo estas premissas e quesitos), e, esperando-se que seja capaz de a esta mesma sociedade oferecer algo trabalhando e contribuindo activamente para a sua melhoria a nível cultural social e mesmo económico, não se refugiando num discurso “caro” por debaixo de um chapéu de linguagem meramente elitista (cientifica?!) que a torne de tal modo fechada que deixa mesmo de ser ciência (social e humana) correndo o risco de tornar-se num placebo e num recreio (pseudo)intelectual, uma entidade morta e (ultra)passada no tempo e no espaço humanos…

"(...)
quantos sou?
(...)" F. Pessoa

Texto por: Mauro Correia; Cuba, Alentejo, 14 de Fevereiro de 2009


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