quarta-feira, 4 de julho de 2012

O Ouriço (pastiche)


"Não há nos nossos campos animal mais innocente do que o ouriço; infelizmente este pobre animal é victima de uma ilusão popular. Quando nos seus passeios nocturnos passa, no outono, por baixo das macieiras, acontece Às vezes caírem-lhe algumas maças sobre o dorso, e ficarem-lhe enfiadas pelos espinhos. Pela manha o homem do campo, encontrando-o carregado assim, toma-o por ladrão e mata-o: é forçoso confessar que n'este caso as apparencias enganam bastante. Mas não ficam aquiassacam as desgraçado crimes imaginários:  accusam-no de fazer abortar as vacas; d'ahi provém o encarniçamento com que a gente do campo o persegue. Não se contentam com o mata-lo, inventam suplicios horriveis: para isso quasi lhes não basta o fogo, a água e o ferro. E contudo vêde de que privilégio significativo o dotou a natureza! Esta fez em seu favor um milagre psycológico: os venenos mais subtis não têem acção no ouriço. As cantharidas que tão rapidamente matam os outros animais, não lhe fazem mal nenhum: um observador viu os os ouriços come-las aos centos sem inconveniente; o opio, o arsenico não podem envenena-lo; tem-se feito a experiência de dar aos ouriços valerianato de antropina em grandes doses, sem lhes causar o mais leve incomodo.
"Observemos agora o ouriço em liberdade nos bosques e nos campos. Qual é a sua occupação principal, a sua paixão favorita, a de que de algum modo se pode chamar a sua arte? É a caça às víboras, na qual são d'uma sagacidade e destreza maravilhosa: manifestam uma tal alegria em aterrar o seu que nenhum espectador pode deixar de a sentir  também. A víbora pode pica-lo, quanto queira, com os seus dentes envennenados, pode até fura-lhe os beiços e a lingua, que o ouriço parece não dar por tal. A natureza fê-lo inviolável aos réptis. Esta especie de privilégio abençoado deveria fazer com que por nós fosse respeitado entre todos os entes; mas não há outro que mais maltratemos. Destruindo todos os annos numero considerável de reptis perigosos salva a vida a muitos de nós; mas quem é que lh'o agradece?
"O ouriço é um benfeitor para o habitante dos campos, não somente por diminuir o numero de víboras, mas por fazer também uma guerra activa a milhares de animalejos damninhos, que à noite apparecem sobre toda a superfície do solo. O ouriço é alem d'isso um carnívoro de digestão rápida, é golotão, e n'isso está o seu merecimento, a sua força para o desempenho da tarefa que lhe coube em sorte.
"Esta goludice do ouriço, torna-se-lhe funesta no estado de domesticidade. D'isso tenho visto muitos exemplos: quasi sempre têem morrido victimas de sua intemperança os ouriços domesticados que tenho tido em casa; depois de terem comido excessivamente, sobrevinha-lhes uma diarrhéa terrivel, que os levava em poucas horas.
"Será bom, por este motivo, quando se quizer ter ouriços domésticos, não se preoccupar com o seu sustento, e deixa-los a elles procura-lo. Para isso não é preciso mais do que deixa-los viver em liberdade nos jardins, hortas, ou onde haja herva. Sobretudo nas quintas cercadas de muros, d'onde não podem fugir, são excellentes destruidores de lesmas, não fazendo às culturas nenhum damno apreciável. 
"Vimos que o ouriço tem por caracter distinctivo o ser refractário aos venenos; tem ainda outro, é não poder ser morto nem devorado por nenhum outro animal, graças aos seus espinhos. A natureza fê-lo por tosdos os modos um ente inatacável: só a raposa, diz Buffon, se attreve algumas vezes a pegar-lhe, e ha exemplos de o ter feito, ficando com as patas e as goelas ensanguentadas. O ouriço não tem pois a temer senão o homem e a raposa; temos fé que ha de chegar tempo em que não tenha nada a receiar do primeiro. Effectivamente não se pode duvidar de que é um dos animaes mais úteis das nossas regiões, e que isso deve ser cada vez mais evidente para todos.
"(Le Journal de la Ferme)"



em: "O Archivo Rural: jornal de Agricultura - artes e sciencias correlativas" - volume IX: 1866, Lisboa: typographia universal, rua dos Calafates (pp. 53 e 54)

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

pastiche (fealdade)

"(...) - Os produtos do mundo da alma e da representação  - retorquiu Naphta - são sempre feios perante a beleza e belos perante a a fealdade, é essa a regra. Estamos perante a beleza espiritual e não a beleza carnal, que é absolutamente estúpida. Além de que é abstracta também - acrescentou - a beleza carnal é abstracta. concreta só é a beleza interior (...)"

por: Thomas Mann
em: A Montanha Mágica (pp:442; Ed. D. Quixote) 

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Rio Sabor - pesca


Estrutura do tipo pesqueira, parcialmente destruída e abandonada, no leito do rio Sabor entre o Larinho e a Póvoa.

Torre de Moncorvo, Mauro Correia [Setembro de 2011]

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

pastiche (desaparecer)

"(...) Porque não pode uma pessoa apagar-se a si própria até não restar dela senão um pouco de ar quente? Uma pessoa devia suicidar-se."

em: Os Excluídos (pp:210)
por: Elfriede Jelinek

domingo, 6 de novembro de 2011

As Noites 64ª [...]

Os olhares que não quer fazer e que desajeitadamente lhe deixa transparecer.

[...]

Os gestos que sabe não deveria tomar mas que o seu intimo o impele a realizar.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O Outono chegou à Aldeia e ao vale






Cabanas de Cima e Vale da Vilariça - Torre de Moncorvo

Mauro Correia, 1 de Novembro de 2011

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A manha de Outono na aldeia: acordar, levantar, e sair



 Após o levantar, ir à varanda e ver a névoa sobre o vale da Vilariça, o Sabor e Torre de Moncorvo

 Minutos depois passa um dos rebanhos da aldeia rumo ao verde e fresco do pasto

Já a caminho do trabalho, os tons do Outuno, ainda que pintalgados pelos efeitos do incendio de Agosto, começam a tomar conta do vale e da serrania...,

Mauro Correia, Cabanas de Cima, Cabeça Boa, Torre de Moncorvo.
[31 Outubro de 2011]

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

a morte de um "espaço"

... pois, que num destes dias ainda regresso para um conto aqui contar...

domingo, 29 de maio de 2011

acto e face de devoção


Imagens hoje dia 29 de Maio de 2011 na ultima missa em Honra da Ascensão do Senhor no Santuário de Santo Antão da Barca antes da sua transladação.

(Mauro Correia - Parada, Alfandega da Fé)

segunda-feira, 28 de março de 2011

pastiche (a solidão)

"(...) e topo os olhos da mulher de pé à minha frente, a apertar contra o peito o saco de plástico como quem embala devagar um filho doente; e entendi que a solidão, disse ele no automóvel deserto a caminho de Lisboa, não é a marca de baton num copo num escritório vazio iluminado pelas persianas que a amanhecem, nem a saída de um bar onde deixamos talvez, pendurada na cadeira, a pele de cobra da alegria postiça que se destina a disfarçar a inquietação e o medo: a solidão são as pessoas de pé à minha frente e os seus gestos de pássaros feridos, os seus gestos húmidos e meigos que parecem arrastar-se, como animais moribundos, à procura de uma ajuda impossível."

em: "O Conhecimento do Inferno" de António Lobo Antunes (pp.70)

domingo, 20 de março de 2011

ao ritmo dos tempos (século XXI)

Esta noite apaixonei-me, com uma intensidade tal que teria forças para erguer, sozinho, uma cidade.
Esta noite o objecto de desejo ignorou-me, minto, rejeitou-me.
Esta noite senti-me o mais frágil dos seres.
Esta madrugada quis morrer, estar não faz sentido, a rejeição e a indiferença corroem e o desejo é não correspondido.
Esta madrugada não tive coragem de morrer, refugiei-me na solidão e numa garrafa de bom vinho.
Esta madrugada sofri.
Esta manha desejo esquecer, mas o desejo é ainda muito intenso.
Esta manha continuo sozinho, é o único modo que me sinto capaz de ser.
Esta manha vi pela janela apaixonei-me e esqueci tudo o resto.

sábado, 4 de setembro de 2010

metades que se completam...

“A cidade de Sofrônia é composta de duas meias cidades. Na primeira, encontra-se a grande montanha-russa de ladeiras vertiginosas, o carrossel de raios formados por correntes, a roda-gigante com cabinas giratórias, o globo da morte com motociclistas de cabeça para baixo, a cúpula do circo com os trapézios amarrados no meio. A segunda meia cidade é de pedra e mármore e cimento, com o banco, as fábricas, os palácios, o matadouro, a escola e todo o resto. Uma das meias cidades é fixa, a outra é provisória e, quando termina a sua temporada, é desparafusada, desmontada e levada embora, transferida para os terrenos baldios de outra meia cidade.
Assim, todos os anos chega o dia em que os pedreiros destacam os frontões de mármore, desmoronam os muros de pedra, os pilares de cimento, desmontam o ministério, o monumento, as docas, a refinaria de petróleo, o hospital, carregam os guinchos para seguir de praça em praça o itinerário de todos os anos. Permanece a meia Sofrônia dos tiro-ao-alvo e dos carrosséis, com o grito suspenso do trenzinho da montanha-russa de ponta-cabeça, e começa-se a contar quantos meses, quantos dias se deverão esperar até que a caravana retome e a vida recomece.”

Por: Italo Calvino em "As Cidades Invisíveis"