segunda-feira, 28 de março de 2011

pastiche (a solidão)

"(...) e topo os olhos da mulher de pé à minha frente, a apertar contra o peito o saco de plástico como quem embala devagar um filho doente; e entendi que a solidão, disse ele no automóvel deserto a caminho de Lisboa, não é a marca de baton num copo num escritório vazio iluminado pelas persianas que a amanhecem, nem a saída de um bar onde deixamos talvez, pendurada na cadeira, a pele de cobra da alegria postiça que se destina a disfarçar a inquietação e o medo: a solidão são as pessoas de pé à minha frente e os seus gestos de pássaros feridos, os seus gestos húmidos e meigos que parecem arrastar-se, como animais moribundos, à procura de uma ajuda impossível."

em: "O Conhecimento do Inferno" de António Lobo Antunes (pp.70)

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