quinta-feira, 29 de maio de 2008

(a) Prostituição | Maldoror

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musica: A Prostituição
interprete: Mão Morta
álbum: Maldoror, 2008

“Fiz um pacto com a prostituição para semear a desordem nas famílias. Recordo-me da noite que precedeu esta perigosa ligação. Vi um túmulo à minha frente. Ouvi um pirilampo, tão grande como uma casa, que me disse: «Vou alumiar-te. Lê a inscrição. Não é de mim que vem esta ordem suprema.» Uma vasta luz cor de sangue, em face da qual me bateram os dentes e me caíram, inertes, os braços, espalhou-se nos horizontes. Eu encostei-me a um muro em ruínas, pois estava quase a cair, e li: «Aqui jaz um adolescente que morreu de tisica: bem sabeis porquê. Não oreis por ele.» Talvez muitos homens não tivessem tido a coragem que eu tive. Enquanto isto, veio uma bela mulher nua deitar-se-me aos pés. E eu, para ela, de rosto triste: «Podes levantar-te.» Estendi-lhe a mão com que o fratricida corta o pescoço à irmã. E disse-me o pirilampo: «Pega numa pedra e mata-a.» «Porquê?», disse-lhe eu. E ele: «Toma cuidado contigo, tu que és mais fraco, porque eu sou o mais forte. Esta chama-se Prostituição.» De lágrimas nos olhos e raiva no coração, senti nascer em mim uma força desconhecida. Peguei numa grande pedra; depois de muitos esforços, ergui-a a custo à altura do peito; coloquei-a em cima do ombro com os braços. Subi a uma montanha até ao alto; dali, esmaguei o pirilampo. A cabeça enterro-se-lhe na terra à profundidade da altura de um homem; a pedra ressaltou até à altura de seis igrejas. Foi cair num lago, cujas águas baixaram por um instante, revirando-se, cavando um imenso cone invertido. A calma voltou à superfície; a luz de sangue deixou de brilhar. «Oh! - gritou a bela mulher nua -, que fizeste?» E eu para ela: «Prefiro-te a ele, porque tenho piedade dos infelizes. Não tens culpa por a justiça eterna te ter criado.» E ela: «Virá o dia em que os homens me farão justiça; nada mais te digo. Deixa-me partir, para ir esconder no fundo do mar a minha tristeza infinita. Só tu e os monstros repelentes que fervilham nesses negros abismos me não desprezam. Tu és bom. Adeus, a ti que me deste amor!» E eu para ela: «Adeus! Mais uma vez: adeus! Hei-de amar-te sempre!... A partir de hoje abandono a virtude.» Eis por que, ó povos, quando ouvirdes o vento do Inverno gemer por sobre o mar e junto às praias, ou por cima de grandes cidades que há muito vestiram luto por mim, ou através das frias regiões polares, dizei: «Não é o espírito de Deus que passa: é apenas o agudo suspiro da prostituição, unidos aos gemidos graves do Montevidense.» Filhos, sou eu que vo-lo digo. Então, cheios de misericórdia, ajoelhai-vos; e que os homens, mais numerosos que os piolhos, façam longas orações.”

por: Isidore Ducasse (Conde de Lautréamont), "Os Cantos de Maldoror (canto 1)"; paginas 27 e 28. Edições Quasi

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