sábado, 9 de agosto de 2008

(In)pressões de...

Ainda não eram 6:40 horas da manha, quando saí de casa com a mochila às costas rumo à paragem do autocarro que me iria levar à estação de caminhos de ferro.

A minha noite havia sido, como tantas outras, passada em claro, povoada por suores frios, com o corpo e a alma (entidade éterea à qual melhor se adapta o termo consciência!) num dueto sincronizado ao milímetro nos espasmos da insónia... tive alucinações – talvez aquilo a que outros chamam de sonhos (pesadelos?), mas, que no meu actual caso, melhor se assemelham a desejo! Imaginei, que na manha de hoje, o velho comboio (o vagão onde viajo data de 19....) se desviaria do seu trajecto pré-definido e me levaria a Ti, e tu sabe-lo-ias, e, estarias a aguardar a minha chegada, observando com olhos despertos o espelho de água que corre por entre esse vale cerrado e solarengo onde habitas (ou que julgo habitares!), e tal era concebível, apenas, porque havias sido Tu, em artes de alquimia, a desviar o rumo do comboio das 7:25 que partira da linha 13. O espanto no interior da locomotiva era geral, nem o maquinista escapou. Alguém, de nervos mais frágeis, entrava já, em estado de pânico e paranóia, só Eu estava sereno – e com um leve sorriso no rosto (não sou pessoa para ter um sorriso para lá do leve, há caracteres assim) pois sabia, ainda que inconscientemente, que eras Tu que estava por detrás de tal insólito acontecimento, e era tudo o que Eu queria, Tu a levares-me rumo a Ti e ao Teu refugio, por Tua iniciativa e vontade... mas, foram tudo perturbantes suores frios!

O autocarro já vai cheio, mesmo a esta hora madrugadora em pleno mês de Agosto, cheio de homens e mulheres que vivem de dignas actividades que ninguém quer. As suas faces não reflectem, já, o brilho da manha – o dia também acordou cinzento do nevoeiro, talvez por as minhas alucinações não se irem concretizar (que valor me estou a atribuir, para que o dia se mostre assim), ou, então, é porque, as manhas no Porto são mesmo assim no verão, cinzentas e abafadas.
No comboio, já tudo e todos, têm um aspecto diferente, mesmo antigo, é ainda confortável – a lamentar, apenas, o turvo e sujidade das suas janelas, que, se nos momentos iniciais da viagem ajudam a encobrir o degredo de uma paisagem urbana suja, degradada e desordenada, mais à frente, sujidade que irá dificultar o deleite da paisagem duriense (felizmente poderei abri-las!)... mas não quero falar do devir, quero manter-me fiel à impressão do agora (tal e qual um pintor impressionista, mas de lápis na mão, bloco no regaço e olhos erguidos), as pessoas têm agora um ar diferente, mais luminoso, alegre ou sereno, de quem vai em lazer a terras do Douro, visitar parentes ou a terra natal. Há conversas alegres e descontraídas, sonos calmos – embalados pelo som monótono e repetitivo do deslizar da locomotiva nos carris, que se interrompe a cada paragem numa qualquer estação e apeadeiro... parece uma realidade diferente da deixada na estação de Campanhã, uma realidade cujo ritmo é mais humano, em que até a minha alucinada escrita, de encosto à janela do comboio, não parece destoar.
A beleza de algumas das paragens e sua arquitectura é deslumbrante, e seu estado de degradação e abandono (mortos de humanidade... não-lugares) dilacerantes... quase me esqueço do desejado desvio!

Vou olhar e fruir um pouco... volto com os socalcos, o xisto, o granito, o vinhedo e o Douro que estão mais à frente... A janela está já aberta...

O Douro passa a meu lado – na realidade, sou eu quem por ele passa - sempre majestoso na sua demanda a caminho do oceano, rasgando os montes com a sua fúria e milenar paciência – parece tão calmo, deve ser fruto da sua experiência – montes onde os homens esculpiram, a muito custo e ao longo de intermináveis gerações, os socalcos, escadarias para os deuses, onde deixaram e deixam o seu próprio sangue, para desta terra extrair o néctar – que muitos, dizem ser, o dos deuses, o sangue que nas veias e artérias destes corre!
Ao nível deste Rio, que corre à minha direita, surges de novo, já não na forma de desejo de um desvio em direcção ao vale que é o teu refugio, antes, desejo de que aqui a meu lado estivesses, observando, em silêncio cúmplice com o meu, esta colossal arquitectura erguida em parceria pelo Douro e pelos homens – numa simbiose perfeitamente natural – abstraídos da gente que enche a carruagem, absorvidos na paisagem e em nós... mas, é tudo, mais uma vez, um delírio inconsistente... Tu deves estar, ainda, absorvida no sono, no rescaldo de uma noite quente de verão no vale, em que eu, serei o mais longínquo de todos os teus pensamento, dos teus sonhos (se é que destes consto!).

Os delírios começam de novo a desvanecer, a viagem é absorvente, e o destino, que não és tu, não é vil, são uns “rabiscos” milenários, pré-históricos, de uma mestria e subtileza assombrosos e numa paisagem tão magnânima quanto traiçoeira... é, o meu delírio físico, tu, a minha alucinação e desejo meta-físicos, a mais traiçoeira e real de todas as minhas (des)esperanças...!


texto e fotografia: Mauro Correia,
7 de Agosto de 2008

2 comentários:

Joana. disse...

Pois eu fiquei com uma bela impressão :) e rendida à escolha subtil e pensada das tuas palavras.

Mauro disse...

Pois agradeço as palavras e a visita.

Passarei pelo teu espaço em breve =)