domingo, 28 de dezembro de 2008

"Blindness | (Ensaio sobre a) Cegueira"

Hoje, após o almoço, decidi-me finalmente a ir ver o filme "Blidness" de Fernando Meireles [sim eu sei que já esta em exibição há imenso tempo] baseado no romance de José Saramago "Ensaio Sobre a Cegueira", que é, na minha opinião, uma obra literária de qualidade superior em que a metáfora da (des)Humanidade* é perfeita e em que o pessoal (ser unitário e único) se confunde numa amalgama informe com o impessoal (o conjunto de pertença).

Assim que soube da rodagem do filme (ainda em 2007 julgo) fiquei com vontade de ver o resultado, a capacidade de passar a imagem(ns) vivas aquele enredo, enredo que afinal também havia imaginado aquando da leitura... a face dos personagens, o seu aspecto (estereótipos?), a sua vida antes da "cegueira branca"... e sobretudo as suas pessoas - seus nomes - pois no universo de Saramago a individualidade dos personagens não é, normalmente, obtida através de nomes, mas de características (físicas, de relação, de actividade, etc). Ou seja, tinha elevado as expectativas acerca do filme [embora sabendo que um filme não pode nunca conter "toda" a narrativa de um romance, sobretudo de um tão denso de valores, de metáforas/ficções e realidades, de alegorias, de contemporaneidade, de vida e de cada um que o lê enquanto tal e enquanto ser], e estas expectativas elevaram-se ainda mais quando Saramago após ver o filme lhe ter dado o seu aval numa perspectiva emocional [que sempre pode levar ao turvar da razão].

Então porquê ter demorado tanto tempo a decidir-me ir ver?
A confusão dos centros comerciais (onde hoje estão a maior parte das salas de cinema), e, sobretudo, as criticas acerca do fraco valor cinematográfico e de capacidade adaptativa de Ensaio sobre a Cegueira para o grande ecrã [por vezes, mesmo com consciência de tal, e sabendo da sua fraca validade para o gosto pessoal de cada um, deixamos-nos influenciar por aquilo que lemos e ouvimos], o que me levou a atrasar/resfriar a minha curiosidade e vontade... até hoje!

Para um visionamento não-turvo fui sozinho, para ser capaz de me entregar...

Antes de mais... não é um filme/livro sobre cegos, ou melhor, não é apenas (nada) isso!
O filme foi para mim causador de sentimentos muito desiguais, isto é, na prática consegue transmitir muita da mensagem (da alegoria) do romance de Saramago, é cru como este, cru no sentido de ser capaz de abordar e transmitir através dos personagens (sem nome) o melhor e o pior [expressão aqui utilizada por incapacidade de encontrar outra mais adequada, pois não procuro, nem quero, fazer aqui juízos de valor acerca do Homem e seu(s) modo(s) de estar/ser], possui opções estéticas de algum interesse (se bem que nada de inovador e inesperado para o conteúdo) e planos perfeitos [quase demasiado perfeitos para o contexto]... Saramago esta lá (sem sombra de duvida), mas é apenas Saramago que lá está, e por muito que isso (me tenha) agrade(o), o cunho mais pessoal do adaptador deixa, ou pode deixar, o espectador órfão [se bem que não completamente] de identificação pessoal com o filme... não deixando de haver emoção(ões) [nossas e dos personagens] no entanto...
Para quem não leu o romance, pode ainda parecer (durante quase todo o filme) que apenas foram foram contagiados pela cegueira branca e pela (des)humanidade os personagens aprisionados na quarentena, num caso local e não global (como realmente sucede).

Em suma, pessoalmente gostei da adaptação de Meireles [é a possível, ou uma das possíveis, para uma obra de tal valor] não me tendo desfraldado grandemente as expectativas, sendo um bom filme (entretenimento e ao mesmo tempo capaz de levantar questões) quer para quem já leu o romance, mas sobretudo para quem não leu, que em minha opinião sairá da sala com vontade de -lo para entender e conhecer a totalidade da narrativa... e, em ambos os casos com a vontade de reler e rever Ensaio Sobre a Cegueira [para perceber em definitivo se gostou e apreendeu...]

A cena mais marcante do filme para mim: a chuva com a simplicidade do momento em que os personagens procuram lavar-se/limpar-se da sua angústia fisica e mental...

A (re)ver sem dúvida!


2 comentários:

Anónimo disse...

Gostei muito de ver. Em todo o caso, e porque esta é matéria que redunda sempre em discussões sem fim, quero deixar uma nota apenas: a metáfora essencial do texto é o triunfo da humanidade sobre a barbárie, consubstanciada naquele grupo unido na sua diversidade. E por mais pessimista que se considere o próprio Saramago, não deixarei de olhar para este ensaio sobre a cegueira como um dos seus opus mais optimistas.

Um abraço,
Rui

Mauro disse...

é uma espécie de depois da "tempestade a bonança", é um opus optimista sim, mas, quanto a mim, com o autor a subentender que é um "optimismo utópico"...

Abraço